segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A “cantilena enfadonha” de certa “oposição de esquerda”



A “cantilena enfadonha” de certa “oposição de esquerda”

A pequena representação pública do que se pretende firmar como uma oposição de esquerda ao governo Lula (e às maiorias parlamentares) tem nas acusações de corrupção sua marca mais visível. Não resta dúvida de que, por exemplo, a representação formal contra o presidente do Senado no Conselho de Ética cumpriu um papel positivo de permitir melhores condições para a continuidade das investigações. O “abafa” que chegara a se desenhar se tornou menos sustentável. O problema não está em discutir se se deve ou não representar contra um presidente do Congresso nestas circunstâncias. O problema está em saber qual é o centro da atividade pública “mudancista” no Brasil de hoje; em saber o que é importante ser feito para disputar as consciências e o movimento real das/os trabalhadoras/es e oprimidas/os.

Desde o início de 2007, é possível suspeitar que alguns debates absolutamente decisivos tenham sido colocados em pauta pela ação governativa. Um deles acerca do veto à chamada “emenda 3”, ação pela qual se manteve a possibilidade de atuação fiscalizadora do Estado sobre as fraudes precarizantes das relações trabalhistas que tanto avançaram nas últimas décadas. O veto sofreu oposição não apenas da representação política de direita, como de setores significativos da burguesia. E por uma boa razão: diz respeito a um elemento-quadro (normativo) das relações de classe. Evidentemente, não “resolveu” a marcha da precarização, mas foi importante.

Um segundo debate diz respeito à criação das fundações. Em uma medida importante, parece a proposta ressuscitar a proposta de reforma administrativa de Bresser e implica num avanço potencial de privatização do Estado. Do mesmo modo, esteve em pauta um debate de fundo, com fortes cores ideológicas, sobre tributação. Mais recentemente, foi colocado em pauta (sobretudo por setores sindicais classificáveis como “governistas”) a extraordinariamente importante questão da redução da jornada de trabalho sem redução de salário, bandeira “ofensiva” e geral que há muito não tinha espaço na vida social brasileira. Do outro lado, os setores mais reacionários e vinculados ao “velho” latifúndio se insurgem contra os poderes constituídos e fazem pouco das leis se estas não são feitas ou executadas à sua imagem e semelhança.

São alguns exemplos que dizem respeito às próprias bases do terreno no qual se dá a atuação da política de esquerda: quadro jurídico das relações de classe e relação entre Estado e setor privado, respectivamente. Não terão sido estas as questões centrais para o debate e a intervenção de esquerda neste período? Não merecem esses temas ser devidamente compreendidos e qualificadamente enfrentados? As posições da direita não teriam que ter sido enfrentadas por toda a esquerda (governista, independente ou oposicionista)? É razoável, no quadro tão específico como o que temos, sobrepor absolutamente, como faz de fato o PSOL, o antagonismo governo/oposição aos antagonismos conservadorismo/mudanças progressivas, direita/esquerda, latifúndio assassino/Estado de Direito? Só é razoável se a construção de uma marca eleitoral visível for mais importante que a luta pela vida, pela dignidade dos ninguéns e pela manutenção do caminho fechado à barbárie e aberto às transformações. A “overdose” de História precisa ser evitada, mas não custa lembrar que houve um dia em que os socialistas consideraram que seu pior inimigo era a social-democracia (e não o fascismo) e houve um dia seguinte em que os debates nem puderam prosseguir. Os socialistas de hoje não têm o mesmo peso, mas deveriam ter tirado mais lições.

No entanto, apesar de tudo isso, a “questão moral” assume todo ou quase todo o espaço dos discursos da oposição de esquerda. No último ano, o “Fora Renan” foi adotado como prioridade absoluta de um setor da esquerda, como se não fosse certo que ele seria substituído por alguém de qualidade política similar. Há já alguns anos em permanente campanha presidencial, talvez pensando que possa reproduzir a trajetória de seu antigo líder, a presidente do PSOL repisa, em tonalidade aguda e à exaustão, palavras acusatórias de corrupção ao governo e sua base. E depois? E mais? E que contribuições para a construção de caminhos de mudança? A “cantilena enfadonha” do discurso acusatório estará alimentando que tipo de compreensão nas “massas”? E que tipo de movimento real precisamos fazer?


Elídio Marques é professor e integrante do grupo que impulsiona o sítio barlavento
Para ler a íntegra do texto, acesse.

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