quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O papel de um banco público

VALOR ECONÔMICO (SP) • FINANÇAS • 27/2/2008

Para Caixa, não se deve comparar resultado

Os executivos da Caixa Econômica Federal afirmam que, embora a busca por rentabilidade seja uma meta constante dentro do banco, não é correto comparar seus resultados com os dos bancos privados. "Não se deve exigir de um banco público os mesmos resultados dos bancos privados", disse o vice presidente de controle e risco da Caixa, Marcos Roberto Vasconcelos. Na semana passada, a Caixa divulgou um lucro líquido de R$ 2,510 bilhões, bem abaixo dos dois grandes privados, Bradesco e Itaú, que apresentaram números da ordem de R$ 8 bilhões.

O vice presidente de finanças da Caixa, Márcio Percival Alves Pinto, diz que a principal diferença entre os bancos públicos e os privados é o foco dos negócios. Os bancos públicos estão encarregados de políticas de governo, como financiar investimentos e pagar benefícios de programas sociais. "Somos remunerados por essas operações, não temos prejuízo", afirma Percival. "Mas o retorno é menor do que as operações de crédito comercial - e os bancos privados fazem só crédito comercial."
No mercado bancário, o crédito livre responde por 70% dos empréstimos, e o crédito direcionado, por 30%. Na Caixa, afirma Percival, essa proporção é exatamente a inversa: 70% de crédito direcionado e 30% de empréstimos livres. Nos empréstimos direcionados, a Caixa tem uma taxa de retorno de 1,63% acima da Selic, enquanto no crédito livre o retorno é de 9,5%.

Mesmo na área de banco comercial, afirma Vasconcelos, a taxa de retorno da Caixa é menor do que a de bancos privados, já que a instituição mantém uma política de juros baixos. "Nosso objetivo é forçar a concorrência e puxar para baixo as taxas do mercado como um todo", afirma.
Vasconcelos diz que o critério justo para avaliar a Caixa é o retorno que dá para seu único acionista, o Tesouro. Em 2007, o Tesouro definiu como meta um lucro líquido de R$ 1,8 bilhão, e o resultado realmente obtido ficou acima disso, com R$ 2,510 bilhões. Em 2006, a meta foi fixada em R$ 1,7 bilhão, e o lucro chegou a R$ 2,3 bilhões.

A rentabilidade da Caixa em 2007 foi equivalente a 23,71% do patrimônio líquido, o que significa, segundo Percival, que o Tesouro obtém uma taxa de retorno maior sobre seu capital investido no banco do que o seu custo de oportunidade, representado pela remuneração paga pelos títulos públicos.
Outro critério que os executivos consideram adequado para avaliar os resultados da Caixa é o seu desempenho nas ações de governo - por exemplo, os empréstimos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Tudo isso não exime o banco, diz Vasconcelos, de buscar maior rentabilidade na área comercial. No ano passado, a carteira de crédito a pessoas físicas da Caixa cresceu apenas 16,77%, abaixo do mercado bancário, que avançou 30,3%. Os executivos dizem que, em 2007, o banco reestruturou seus processos para ganhar mais agilidade. Os resultados, afirmam, estão sendo colhidos com o avanço de 40% na contratação de crédito no quarto trimestre de 2007, acima dos 14,5% observados nos três primeiros trimestres do ano.

A Caixa também prepara alguns movimentos estratégicos. Estuda, por exemplo, ingressar no mercado de não-clientes, principalmente veículos. "Está fora de cogitação operarmos como financeiras, que cobram taxas de 15% ao mês", diz Vasconcelos. "Só vamos entrar onde pudermos fazer a diferença, puxando as taxas para baixo."

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

entrevista com Santiago parte I

foto: Josiane Picada

Ótima entrevista em que esse grande cara fala de sua carreira, censura, relações inprensa/anunciantes e, acima de tudo mostra por que é tão respeitado: "O que me orgulha é não ter transigido (...). eu não vou fazer jogo com chefes de redação dos grandes jornais (...) só sei trabalhar com entusiasmo, não posso fazer desenhos negociados, que não brotem do meu entusiasmo ou da minha indignação com os fatos políticos".

JB- Já foste muito censurado em teu trabalho?

Santiago - Sim. Eu conheço a censura de perto há muito tempo. Eu comecei o jornalismo em 1975, quando o censor externo, o policial, já havia se retirado. Mas também conheci de perto a censura das próprias empresas. Mesmo na Folha da Tarde houve vários impedimentos, muitos deles relacionados a anunciantes. E isso é maior hoje, o anunciante manda muito mais hoje do que mandava naquela época. Eu sempre digo que não existe liberdade de imprensa no Brasil, porque não existe colunista de esquerda, aliás só tem um que se chama Luiz Fernando Veríssimo. Ou eles são centrista ou de direita. Na imprensa, os que estão em cima do muro têm emprego garantido. Se tu fores de direita, é ótimo, tipo Rogério Mendelski. Não vai faltar emprego para ele. Mas os jornais gostam de fazer aquela onda de que estão criando controvérsia, tão criando o contraditório. Um exemplo, é o Chávez da Venezuela, não é possível que não tenha no Brasil alguém que seja a favor do Chávez e que dê uma entrevista defendendo as posturas dele. Mas não, o que tem é um bloco uníssono dizendo que o cara é um ditador. Então é uma demonstração bem clara de que aqui a imprensa é propagandística. Um dos desenhos que aumentou a crise no Jornal do Comércio foi em que eu pedia o contraditório em relação à Venezuela. Como é que o leitor vai formar uma opinião se ele só está vendo o contra? Ele fica perdido. Então, eu fiz um desenho pedindo o contraditório e um leitor identificado com a extrema direita "pediu a minha cabeça", alegando que o capitalismo tinha dogmas que não podiam ser contestados e discutidos. E que eu não tinha que pedir o contraditório em relação ao Chávez, pois ele foi decretado que era um bandido e não tem como alguém dizer o contrário

JB - Tu és de esquerda?

Santiago - Acho que sim. A gente até nem sabe mais o que é ser de esquerda, mas essa postura de inconformismo, de tu criticares e pedir uma sociedade mais justa, é uma postura de esquerda. Pedir uma sociedade solidária, distribuição de renda mais justa, é uma obrigação da gente. É uma forma de ser de esquerda, inconformista. Pedir para se sair dessa concentração de renda vergonhosa no Brasil é uma obrigação. Eu digo sempre que o jornalista, o humorista e o chargista vivem de abraçar boas causas. E abraçar boas causas são as causas humanitárias e a causa humanitária mais urgente é a distribuição de renda. Ela é o caminho do socialismo.

JB - Existe alguma coisa de que tu te arrependas e alguma coisa de que tu te orgulhes muito?

Santiago - Eu sou que nem Édith Piaf, não me arrependo de nada. Estou brincando (risos). Mas me arrepender de quê? Eu sempre caminhei pelo caminho da espontaneidade, sempre fui tomando decisões aqui e ali. Acho que não me arrependo de nada. Não sei se eu deveria ter saído de Porto Alegre e ter ido procurar um campo mais propício para trabalhar. A gente aqui é muito maltratado. Talvez eu me arrependa de não ter saído na hora exata. Não digo que eu deveria ter ido para o Rio, ou São Paulo, porque lá é a mesma imprensa dos negócios. Acho que para sair tem que ser para fora do país, para encontrar uma imprensa um pouquinho mais saudável, mais arejada. E o que me orgulha é não ter transigido com essas coisas, não ter feito esse jogo que fazem no jornalismo, amizade por conveniência. Eu não vou fazer jogo com chefes de redação dos grandes jornais. Porque é um jogo difícil de fazer, para atingir um público grande tu vai ter que fazer uma série de transigência. E eu só sei trabalhar com entusiasmo, não posso fazer desenhos negociados, que não brotem do meu entusiasmo, ou da minha indignação com os fatos políticos. Não tem como não trabalhar com essa paixão.

entrevista com Santiago parte II

JB - Já teve alguma empresa que tu recusaste em função dessas convicções?

Santiago - Não, porque eles não me procuram (risos), nunca criei esse dilema. Mas eu tive uma experiência com o Estado de São Paulo. Foi uma coisa marcante porque foi no início do governo Collor. Eu tive nove meses com eles, ao fim dos nove meses eles cortavam muita coisa, daí eu disse que ia embora. Um jornal de circulação como esse, te faz conhecido no país inteiro, mas tu te torna conhecido como um desenhista brincalhão, engraçadinho, um bobo-alegre. Então, eu não quero ficar conhecido como um bobo-alegre. Se eu não posso mostrar a minha verdadeira cara, de ser crítico, de ter uma certa acidez na crítica à política, então, eu prefiro não ser conhecido.


JB - Fale um pouco do Jornal do Comércio?

Santiago- Durante cinco anos, eu Kaiser e Moa fizemos desenhos que foram bons desenhos. Eu acho que ninguém fez panfleto. Acho que nós fizemos coisas com humor, com graça e com crítica. Eu não abro mão de fazer um desenho com graça, com crítica. Se o desenho tiver só crítica e não tiver graça, não tem valor nenhum. Se tiver crítica tem que ter graça, humor, senão vira panfleto xarope. Nós começamos a notar já no governo Rigotto que as coisas iam ser difíceis. Não é para falar do governador, nem de bem, nem de mal, era a orientação. E como eles sabiam que a gente não ia falar de bem... Porque o humor não fala de bem, o humor trabalha com crítica. Não existe o humor a favor de nada. É aquele velho lema latino: rindo, castigas a moral. A gente fala das coisa que estão andando mal no mundo. Quando chegou o governo Yeda, a gente entendeu que seria a mesma coisa. Parece que o dono do jornal é amigo dos dois. Então como estamos na província das províncias, o jogo vai ser difícil e não deu outra. O problema do Jornal do Comércio é que o dono é um camarada que fez fortuna no comércio e resolveu entrar no ramo do jornalismo. Mas o cara não entende nada de jornalismo, não sabe que o jornalismo precisa de um mínimo de contraditório, que é bom, que é saudável para o jornal dele o contraditório. E nada melhor do que ter uma charge que fale desse contraditório, de uma forma humorada. Seria perfeito para ele, as pessoas iam dizer: bah, como esse cara é democrata! O jornal dele tem um desenhista que critica o sistema e tal. Seria uma bela imagem de democrata, mas infelizmente o cara optou por manter a imagem do comerciante, de vendedor de material de construção e de torneira.

JB - Qual a tua opinião sobre a Zero Hora?

Santiago - Eu costumo dizer que a ZH é um jornal muito curioso. É o único jornal que já se atribui nota na capa: zero. É o jornal cuja edição dominical é feita na sexta, com as notícias de quinta, circulando no sábado e mentindo que é de domingo. É uma página dez que nunca está na página dez e tem um desenhista que não sabe desenhar. Essa é a ZH pra mim. É um jornalismo, aliás, como todo o que se faz no país, mais preocupado com os negócios, do que com a notícia.


fonte: João de Barro jan/08 - jornal da Associação do Pessoal da Caixa (APCEF/RS)