segunda-feira, 18 de junho de 2007

RCTV

Marcos Rolim/ jornalista

Pela forma como a mídia tem tratado o episódio "Hugo Chávez vs. RCTV", não há dúvida sobre o gesto do presidente venezuelano: a não-renovação da concessão à emissora é um "atentado à liberdade de expressão" e, por decorrência, uma violência contra a democracia. Será mesmo? Para tentar uma resposta, seria interessante consultar outras fontes. O impressionante documentário dos irlandeses Kim Bartley e Donnacha O'Briain intitulado A Revolução não Será Televisionada, disponível em http://www.youtube.com/viomundo23, por exemplo. O documentário cobre o golpe militar contra Chávez em 12 de abril de 2002 e mostra o papel destacado da RCTV no movimento. Um golpe que, aliás, decretou o fim dos mandatos de todos os parlamentares, que destituiu os magistrados de suas Cortes, que afastou o promotor-geral da República e o defensor do povo, tudo sob o aplauso entusiasmado dos comentaristas da RCTV, do clero conservador e dos grandes empresários venezuelanos (muito democratas, todos). Bem, o golpe durou 24 horas, como se sabe, sendo Chávez reconduzido ao poder por grandes manifestações populares de resistência.


O que a mídia brasileira não assinalou, como regra, é que canais de rádio e televisão não são privados. São meios públicos explorados por empresas privadas mediante concessão do Estado. Isto porque o espectro eletromagnético é um bem de todos, assim como os rios ou as florestas. Diferem, portanto, de jornais e revistas. Contratos de concessão podem ser renovados, ou não. Afirmar que a não-renovação da concessão à RCTV é um "atentado à liberdade de expressão" é o mesmo que dizer que a não-renovação do contrato com uma empresa de ônibus é um "atentado ao direito de ir e vir". Não há, ao contrário do que afirmou o ministro Hélio Costa, um "direito adquirido" das emissoras de TV (aliás, Hélio Costa é que tem o direito adquirido de dizer bobagens a favor da mídia que o criou para a política).

Não tenho qualquer simpatia por Chávez. Pelo contrário, receio que ele seja uma liderança carismática autoritária e "balaqueira". Mas se Chávez cometeu um erro frente à RCTV, este foi o de não ter cassado a concessão no primeiro dia após a tentativa de golpe. Afinal, incitar o povo a um golpe de Estado deve ser uma ação punível em qualquer democracia do mundo, ou não? No caso da RCTV, há ainda os antecedentes: em 1976, a emissora foi tirada do ar por três dias por veicular notícias falsas; em 1980, mais 36 horas de punição pelo mesmo motivo; em 1981, foram 24 horas de suspensão por exibir pornografia; em 1989, outras 24 horas fora do ar por ferir a lei ao veicular publicidade de cigarro; e, em 1991, teve um de seus programas humorísticos tirado do ar pela Corte Suprema por desrespeito à dignidade das pessoas.

Mas por trás do "amor pela liberdade de expressão", encontraremos, neste momento, a posição das grandes TVs brasileiras contra as tentativas de fixação de horários para suas programações e da regulamentação da publicidade de bebidas e de alimentos que causam obesidade. Há alguns meses, as emissoras obtiveram liminar no STJ contra a fixação dos horários pretendida pelo Ministério da Justiça. Agora, de Sarney a Jô Soares, o discurso é o mesmo: impedir que programas violentos ou que explorem o erotismo sejam exibidos nos horários em que as crianças estão assistindo TV é "censura à imprensa" e "atentado à democracia". Como se diz em espanhol: "Y quien lee y se lo cree, está mal informado o tiene mala leche".

ZH, 10 de junho
Justificar de 2007.

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